2004/07/01

As Patentes de Software

Enviei este texto em Julho de 2003 para o fórum que existiu no INPI sobre este assunto.
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De forma relativamente informal mas com preocupação em sistematizar o raciocínio, eis a minha contribuição para a reflexão sobre as Patentes de Software.


1) Ao debater este assunto importa salientar primeiro um ponto prévio crucial: a posição desfavorável ao aparecimento de patentes de software NÃO está ligada às questões levantadas pela existência de software livre.

Embora haja impacto importante também neste aspecto, os maiores inconvenientes seriam até para quem produz software comercial, especialmente se as empresas tiverem dimensão reduzida. É completamente errado dizer que se trata de "software livre" contra "software comercial".


2) Quem efectivamente programa sabe bem qual o impacto da eventual existência de patentes nesta área e compreende que há uma impossibilidade prática de delimitar inequivocamente o âmbito daquilo que é patenteável, tal como pretenderia o legislador. Cair-se-ia assim na situação de verdadeiro pesadelo que existe nos Estados Unidos, a meu ver em parte significativa responsável pelo "rebentar da bolha" da "Era Internet" dado o volume de recursos desperdiçado em batalhas jurídicas e em contornar as dificuldades técnicas surgidas ao tentar evitar violar patentes já registadas.

O problema não seria tanto quando se patenteasse um método/sistema completo para resolver um assunto muito específico qualquer, mas sim quando se patenteassem as ferramentas básicas (os "building blocks") que são aplicadas em inúmeras situações. Ao contrário de uma patente normal, em que se protege uma implementação específica de algo, aqui estava-se a limitar o acesso à própria "ferramenta mental", e não ao resultado do seu uso. Por isso é que o conhecimento científico não é patenteável, por exemplo.


3) Uma patente não pretende impedir a imitação. A imitação sempre existiu e é até um factor de desenvolvimento. O que pretende impedir é a cópia descarada, o roubo puro e simples do investimento alheio. É isso que se passa em todas as áreas que não o software.

Para impedir a "cópia" no sentido explicado acima, existem duas ferramentas: as patentes e o copyright.

Há situações em que faz mais sentido o copyright (literatura, música, etc.). Não se pretende proteger o método de construir um texto, por exemplo, mas sim o próprio texto.

Noutros casos o que foi importante na implementação foi a tecnologia utilizada naquela solução concreta, e não tanto se ela é azul ou amarela, quadrada ou oval. Para proteger a capacidade do implementador de rentabilizar o seu esforço, o importante é então patentear essa tecnologia. Contudo, aqui estamos a falar do resultado concreto do raciocínio humano (a tecnologia), e não do próprio raciocínio, como seria o caso do software se fosse patenteado, em vez de ter o código (o resultado) sujeito a copyright.


4) Dada a própria natureza do software (o que é que é "raciocínio", o que é que é "implementação"?...) é impossível estabelecer limites não ambíguos ao que seria patenteável.


5) Em alguns aspectos esta lógica também se poderia aplicar a todas as outras patentes, tornando o caso parcialmente semelhante ao do software. O mundo tem vivido razoavelmente bem com as patentes para outras coisas, mesmo que por vezes também se levantem problemas de ambiguidade. Mas a dimensão do problema é relativamente reduzida e é tratável. Com o software a margem de incerteza é muitíssimo maior e não há meios práticos de resolver o problema. As dificuldades legais são tais que os recursos para as resolver só estão disponíveis aos "grandes", impedindo totalmente na prática os "pequenos" de se defenderem. Nestas circunstâncias, é preferível aceitar uma situação de maior liberdade de "imitação", em vez de limitar o mercado a quem tem recursos poderosíssimos para impor a sua vontade.


6) Esta é uma oportunidade de salientar as diferenças positivas da Europa em relação aos Estados Unidos, mantendo um enquadramento mais sensato em termos económicos e em simultâneo mais solidário com os países menos desenvolvidos. Uma decisão menos correcta relativamente a este assunto será de enorme gravidade pois provocará efeitos negativos a nível de Economia, Justiça Social e Liberdade.