2005/05/24

A Superliga

Ontem fiz a minha estreia como comentador residente das Tertúlias do Comercial, no Palácio da Bolsa, desta vez sobre o "Balanço da Superliga 2004/05" e com a presença de Pinto da Costa.

Acho o futebol interessante e emocionante, mas não importante para mim a nível pessoal. Raramente vejo futebol na televisão, e nunca nos estádios. O tema veio mesmo a calhar, portanto… O último jogo a que assisti do princípio ao fim foi o Portugal-Inglaterra do Euro 2004 (dizem que escolhi bem). Da Superliga desta época apenas vi a segunda parte do Porto-Académica, como estágio para a tertúlia. É por isso bem provável que seja em breve “desconvidado” de comentador. :-)

Como qualquer bom comentador desportivo, não será a ignorância que me impedirá de discorrer sobre o assunto…

O futebol, pela mobilização que provoca, tem enormes potencialidades mas tem sido uma oportunidade perdida e uma maneira de deseducar as pessoas. Os clubes são instituições privadas e têm o direito de fazer o que muito bem entenderem. Nada nos impede, no entanto, de tentar convencê-los a assumir um papel mais construtivo.

Faltam objectivos nobres:
  • não se promovem a nobreza de carácter e do fair-play sistemáticos, e não apenas ocasionais;
  • não há divulgação suficiente da prática generalizada do desporto pela população;
  • desconhece-se o “radicalismo” de apenas querer vencer convencendo, e não apenas porque “lá nos desenrascamos”.
Faltam objectivos que tornem o futebol sustentável:
  • fazer com que as instituições sejam credíveis e respeitadas em todos os aspectos;
  • dar um valor maior aos clubes em si do que aos protagonistas do momento;
  • evitar que aconteça ao desporto aquilo que aconteceu na política, em que há um total divórcio entre a sociedade e os políticos;
  • mobilizar as massas associativas para que elas próprias produzam alguma coisa, e não sejam meras espectadoras.
Quanto aos meios:
  • abusa-se largamente da agressividade, apelando a instintos primários das pessoas;
  • há falta de sensatez e de transparência (ou pelo menos passa essa imagem) na gestão dos dinheiros.
Por tudo isto diria que se verifica ausência de ambição e, nesse sentido, falta competência no Futebol. O Futebol vive centrado em si próprio, em vez de ser um contributo para o desenvolvimento da sociedade. Desistiu da sua função educativa e passou a ser apenas um espectáculo. Vive-se numa situação parecida com a do doping – até podem aparecer resultados bons no curto prazo, mas arruína-se o futuro.

Analisem-se alguns exemplos.
  • As claques – dispensam comentários.
  • Mourinho – apesar das indiscutíveis qualidades, é a promoção da deselegância e da falta de educação. É alguém que não percebe que os fins nunca justificam os meios, que tem uma formação incompleta. Suscita mais inveja do que respeito. É difícil encontrar alguém que diga sinceramente “eu quero ser como o Mourinho”. Dirá antes: “eu quero ganhar o que o Mourinho ganha”
  • A influência na política – use-se Rui Rio como ilustração, apesar do seu discurso habitual: o uso das “claques”, o recurso às “faltas sistemáticas”, o mesmo tipo de agressividade, as mesmas queixas contra as “cabalas” – é um espelho do “futebolismo”.
  • O último jogo Porto – Académica (e que se calhar foi igual ao Boavista – Benfica): contentaram-se com o mínimo, queriam desenrascar-se – acabaram com o empate que não podiam permitir.
Esta falta de sustentabilidade teve apesar de tudo um efeito positivo que foi o aumento da competitividade este ano, com inúmeros candidatos a vencedor do campeonato. É pena é que tenha sido através do nivelamento por baixo da qualidade do futebol.

Como é que se melhora a situação?

O mal está basicamente no autismo e na agressividade irracional. Ora agressividade não se combate com agressividade! Não adianta “dar pancada” em quem está mais do que habituado a dar e receber pancada – assim não se muda nada de estrutural. Os do mundo do Futebol e os dos mundo anti-Futebol actuam todos praticamente da mesma maneira, porque estão contra qualquer coisa e não a favor de alternativas.

É precisa alguma “catequese”.

Há quem diga que isto “só vai lá” mudando tudo, fazendo uma revolução, pondo os dirigentes actuais na rua, fazendo entrar gente nova que rompa com o passado. Não concordo.

O meio de mudar as coisas é dar o exemplo, promovendo o aparecimento no meio dos actuais protagonistas, e em colaboração com eles, de novos dirigentes. É preciso de facto gente nova, sem o “vício do doping” que referi acima, com uma prática radical e sistematicamente diferente. Dessa forma dar-se-á o exemplo e criar-se-á uma competição saudável com quem vive neste “mundo das drogas”. Isto tem que ser tratado da mesma forma que uma dependência química…

Mas também é precisa a gente velha. Digo quanto ao Futebol o mesmo que digo quanto às empresas: os “velhos” dirigentes têm a capacidade de perceber estes problemas e conhecem melhor do que ninguém os seus defeitos e as suas limitações. Na maior parte dos casos os novos dirigentes também não possuem preparação suficiente e precisam da experiência dos antigos.
Aliás, para históricos como Pinto da Costa, o mais motivador nesta altura da vida não deve ser ganhar mais um campeonato. Já ganharam tantos… Mais aliciante, acho eu, e muito mais importante, era provocar esta mudança social.

O estado de saúde dos clubes está directamente ligado à saúde da própria região onde estão implantados porque a base social é a mesma. A vida desportiva não é estanque em relação às outras actividades. Se o Porto e o Boavista forem fortes e sólidos, também a cidade do Porto o será. E vice-versa.

Aproveitando as minhas enormes qualificações como comentador desportivo (conforme expliquei no início deste texto…), atrevo-me até a dar as minhas tácticas aos presidentes dos clubes da Superliga.

As pessoas quando chegam a certa idade já não conseguem corrigir os seus defeitos. Para que os clubes funcionem bem apesar disso, mudando o que tem de ser mudado, é preciso que os dirigentes passem a trabalhar em conjunto com quem esteja livre dos hábitos pouco saudáveis que estão tão enraizados no Futebol.

Por isso, convidem para trabalhar convosco:
  • gente que aceite que o mundo é imperfeito mas, ao mesmo tempo, tenha o rigor, a persistência e a diplomacia musculada para manter serenamente o rumo que escolherem (ou seja, gente que consiga “viver no meio do doping sem se dopar”);
  • gente que tenha ideias próprias mas que ao mesmo tempo vos respeite e vos saiba ouvir;
  • gente que tenha paciência para aturar os vossos defeitos e que consiga em conjunto convosco aproveitar as vossas qualidades.
Na minha opinião, repetindo-me, esta perspectiva de mudança social é um desafio muito melhor do que ganhar mais um campeonato!