O REFERENDO DO ABORTO - CITA��ES - 1998

Publicadas originalmente por Tiago Azevedo Fernandes no servidor da Universidade Cat�lica
Agora em http://taf.net/opiniao/

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Note-se que o princ�pio da criminaliza��o do aborto n�o visa julgar as mulheres que o praticam mas indicar aos cidad�os qual o comportamento correcto de acordo com uma hierarquia de valores em que a vida ocupou, desde sempre, o lugar primordial. Para al�m desta fun��o simb�lica e educativa, que � tamb�m uma fun��o do direito penal, a criminaliza��o do aborto tem o efeito pr�tico de permitir a puni��o dos patr�es e dos homens que pressionam a mulher a abortar, como instigadores do crime de aborto.

Maria Clara Sottomayor

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Contra o que acaba de se dizer invoca-se, por vezes, o direito da mulher de dispor do seu pr�prio corpo; outras vezes, a liberta��o social da mulher ligada � possibilidade de abortar. Sem raz�o, a meu ver.

A mulher n�o tem, n�o pode ter um qualquer direito sobre o feto em nome de um qualquer direito sobre o seu corpo, pois o feto � um ser diferente da mulher; est� no seu corpo, depende dele, n�o faz parte dele. Nem o poderia ter em nome de um qualquer direito de leg�tima defesa, porque esse novo ente destinado a nascer n�o � um agressor: agressor poder� ter sido o pai, nunca o filho; e, se h� que punir, o pai dever� ser punido tanto ou mais que a m�e quando tenha sido ele que criou a situa��o conducente ao aborto.

Jorge Miranda

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Por outro lado, dizer que os defensores do "n�o" est�o a chamar criminosas �s mulheres e que querem "met�-las" na cadeia � um discurso falacioso e profundamente dogm�tico. Uma coisa � a lei afirmar que determinado facto � crime; outra � a aplica��o efectiva de uma pena. � sabido que n�o h� mulheres na cadeia pela pr�tica de abortos. Para al�m de, como j� referi, a lei actualmente em vigor contemplar as situa��es mais dram�ticas, nunca um ju�z, perante uma situa��o concreta, poder� aplicar uma pena, se n�o houver culpa jur�dico-penal; em muitas situa��es poderiam as m�es (mesmo que houvesse persecu��o destes casos, que na pr�tica � reduzida) ser ilibadas, mas serem punidos os incentivadores do aborto e os que ganham lucros il�citos com a sua pr�tica. E, em rela��o a estes, julgo que a persecu��o deveria ser intensificada. Mas, com o aborto legal at� �s dez semanas, os primeiros ser�o desresponsabilizados e os segundos passar�o a ganhar lucros l�citos, pois as suas cl�nicas ser�o oficializadas e, assim, tamb�m ficar�o sem responsabilidades.

Maria da Concei��o Ferreira da Cunha

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Em primeiro lugar apesar de o aborto n�o ser uma quest�o primariamente religiosa, foi j� clarificada pelos primeiros respons�veis da Igreja em Portugal que constituem a Confer�ncia Episcopal Portuguesa. A nota oportunamente publicada diz tudo. Diz n�o. Dentro de um respeito imenso por cada um e inserindo-se lucidamente na sociedade em que vivemos afirma, com toda a clareza, o que a Igreja sempre disse ao longo dos s�culos e denuncia a formula��o da pergunta para o pr�ximo Referendo. Ningu�m pode negar � Igreja o exerc�cio desse direito. Mas tamb�m no interior da Igreja se verifica alguma divis�o. N�o no que diz respeito ao conte�do mas ao m�todo de propor � sociedade portuguesa a op��o do n�o ao aborto. Aqui n�o se pode impor nenhum dogmatismo pedag�gico. H� grupos que se organizam, movimentos que investem todas as energias, convictos, em consci�ncia, de que seria trai��o adoptar outro m�todo. Importa que na forma cada qual se implique a si pr�prio e n�o implique toda a Igreja. E que a sociedade civil tenha o necess�rio discernimento do que nesta mat�ria � forma e do que � conte�do.

Ant�nio Rego

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Colocado face � pergunta do referendo, tendo, portanto, instintivamente a dizer Sim. Pois se a criminaliza��o me repguna, deveria concordar com a despenaliza��o! Pois se o aborto me repugna, poderei evitar, ao menos, que ele seja remetido para o v�o de escada!

A ang�stia � que as coisas n�o se esgotam aqui. Primeiro, este referendo tem um significado preciso. A quest�o nele impl�cita � a de saber se � necess�rio ou �til avan�ar, j� agora, para o alargamento das disposi��es de excep��o da lei actual, apontando para a total liberaliza��o nas primeiras dez semanas. E, a essa quest�o, eu tenderia a responder N�o.

Depois, n�o posso omitir que despenalizar implica o mesmo que liberalizar. E com que direito podemos n�s liberalizar? Com que direito nos esquivaremos � interpela��o do Bem, ficando s� por crit�rios de sa�de p�blica ou necessidade social? Porque, ao contr�rio do que sucede noutras esferas aparentemente an�logas, como a toxicodepend�ncia, h� aqui um terceiro envolvido, que n�o tem poder de decis�o, mas est�, no mais profundo de si pr�prio, envolvido na decis�o de outrem. N�o se pode ignor�-lo.

Augusto Santos Silva

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A pol�tica fr�vola e a religiosidade fan�tica n�o contribuem para eliminar as causas mais frequentes do horror que � o aborto. Gastar todas as energias em torno de uma lei ou de um referendo - provocando a ilus�o de um embate final entre o bem e o mal - serve s� para exerc�cios de camuflagem ideol�gica. Importa n�o exagerar a efic�cia das leis para resolver problemas sociais e morais.

(...)

Mas se o arcebispo de Braga refreou os ardores homil�ticos de um p�roco de Amares e o bispo de Aveiro recusou os caminhos da cruzada de alguns colegas, D. Jos� Policarpo apontou para o futuro: "Podem ficar descansados, que ningu�m est� a lutar para que as mulheres v�o para a cadeia. O importante � mobilizar todos, com os seus meios, para que o aborto seja cada vez menos necess�rio e socialmente menos poss�vel" ("A Capital", 8/6).

� evidente que esta posi��o n�o agrada �queles pol�ticos que precisam dos bispos bem unidos na "reac��o" para mostrar a incompatibilidade da Igreja Cat�lica com a democracia, nem ao catolicismo integrista, que precisa dos bispos como artilheiros contra os inimigos da moral... No entanto, � a perspectiva do patriarca de Lisboa que pode contribuir para deslocar o debate para o p�s-referendo. Ganhe o "sim" ou o "n�o", o Estado n�o pode continuar a ser irrespons�vel. Um problema humano e social t�o doloroso n�o se despacha com uma pergunta sobre a despenaliza��o - por mais importante que ela seja - e com vagas promessas de hospitais que n�o funcionam. Sem medidas coerentes que possam garantir, por um lado, a educa��o sexual, a informa��o acerca de m�todos anticonceptivos, o planeamento familiar, centros de consulta e comiss�es de aconselhamento e, por outro, condi��es econ�micas, sociais e psicol�gicas que possibilitem assumir, de forma respons�vel, a alegria da maternidade e da paternidade, o Estado continuar� a penalizar as mulheres, os homens, as jovens, as crian�as e o destino humano da vida gerada.

Frei Bento Domingues, O.P.

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A ci�ncia e a gen�tica afirmam unanimemente que a vida intra-uterina � um processo evolutivo cont�nuo que se inicia com o momento da concep��o. Interromper este processo, seja em que fase for, constitui sempre a elimina��o de uma vida humana, plena de dignidade e merecedora de respeito, mesmo que ningu�m a tenha desejado. A legaliza��o do aborto at� �s 10 semanas n�o tem qualquer fundamento cient�fico nem tem nada a ver com o estado de desenvolvimento do feto. Aos 43 dias j� se detectam ondas cerebrais na crian�a, regist�veis num electro-encefalograma e �s 8 semanas, a crian�a j� sente dor pois o centro cerebral (=t�lamo) e alguns receptores perif�ricos j� se encontram formados.

A concilia��o destes dois interesses - a liberdade da mulher e o direito a nascer do feto - � feita pela lei actual, que permite o aborto em casos de perigo para a vida, para a sa�de f�sica ou ps�quica da m�e, de malforma��es graves do feto ou de crimes contra a autodetermina��o sexual da m�e (que n�o apenas o de viola��o) e sem ser exigida a den�ncia do crime ao Minist�rio P�blico, ao contr�rio do que tem afirmado o movimento sim pela toler�ncia.

Maria Clara Sottomayor

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Por certo, embora faltem dados seguros, n�o negarei a pr�tica de dezenas de milhares de abortos clandestinos em condi��es que traduzem e agravam desigualdades econ�micas e sociais. S� que daqui n�o resulta a necessidade de legaliza��o ou sequer de toler�ncia do aborto; muito pelo contr�rio. N�o ser�o a droga e a prostitui��o n�o menos evidentes chagas sociais? E perante os flagelos sociais a atitude correcta n�o deve ser a de os combater e prevenir? E, designadamente, a atitude de esquerda e de progresso n�o deve ser a vontade de transforma��o da realidade, e n�o uma atitude de resigna��o e aceita��o?

(...)

Por tudo isto votarei "n�o" no referendo de 28 de Junho:

- porque n�o confundo ilicitude com culpabilidade e porque nenhuma toler�ncia pode justificar a ilicitude, mas s� desculpar a pessoa;

- porque sou contra toda a viol�ncia e porque a interrup��o involunt�ria da gravidez tal como � admitida no projecto do JS nem sequer pode fundar-se numa qualquer forma de harmoniza��o de interesses atend�veis segundo um princ�pio de proporcionalidade;

- porque nenhum direito � qualidade de vida pode justificar o sacrif�cio de qualquer vida humana;

Jorge Miranda

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Enfim, ir� a legaliza��o tal como resulta do projecto de lei aprovado na generalidade em Fevereiro pelo Parlamento acabar com o aborto clandestino? A experi�ncia dos outros pa�ses n�o o comprova. Por outro lado, h� a� uma ineg�vel contradi��o: legaliza-se o aborto verificados certos requisitos, mas nada garante que, para al�m dos prazos estabelecidos, as mesmas causas - reconduz�veis � "op��o da mulher" - n�o conduzam ao mesmo resultado.

Jorge Miranda

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E s� h� uma forma de n�o colocarmos tudo em causa: estabelecermos o princ�pio de que a lei tem de defender a vida humana desde o momento em que se forma at� ao momento em que se extingue.

Aceitar excep��es a esta regra �, objectivamente, consagrar na lei os atentados contra a vida.

Ser� isto cruel?

Ser� uma manifesta��o de intransig�ncia?

Ser� um sinal de intoler�ncia?

Sim e n�o.

Em primeiro lugar, � indiscut�vel que a lei tem de obedecer a princ�pios e deve ser firme na sua defesa; cabe aos ju�zes, depois, serem razo�veis e justos na aplica��o da lei.

Em segundo lugar, se h� coisas em que � necess�rio ser intolerante � na defesa da vida humana.

Jos� Ant�nio Saraiva

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Tenho aceite, continuo a aceitar v�rios argumentos que me parecem v�lidos no sentido do "sim". Receio que essa posi��o seja, actualmente, o caminho mais f�cil para descansar consci�ncias em rela��o a um problema que � tudo menos f�cil: vota-se uma lei, fica a quest�o resolvida. � esse o meu argumento para escolher o "n�o" no pr�ximo domingo.

Ant�nio Marujo

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Quase todos somos contra a interrup��o volunt�ria da gravidez - A maior parte dos partid�rios do Sim faz quest�o de afirm�-lo, invocando raz�es ponderosas para aceitar esta pr�tica. Sabemos que depois de institu�da uma realidade ela muito dificilmente � alterada, seja por h�bito, seja por in�rcia seja, ainda, por oposi��o de interesses econ�micos. Votar Sim no pr�ximo Domingo � votar na assump��o da derrota. Mas n�o basta votar N�o, � necess�rio que na Segunda-feira estejamos todos mobilizados para exigir ao Governo (seja qual for a sua cor) verdadeiras medidas tendentes a acabar com este flagelo em Portugal. Este Sim ser� o voto em e da consci�ncia...tranquila

Jos� Paulo Wilson

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a discuss�o s� poder� ocorrer � roda de um maior valor ou desvalor da vida humana intra-uterina, mas n�o sobre a sua exist�ncia

Maria Jo�o Avillez

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O referendo que se realizar� no pr�ximo dia 28 � um acto eminentemente pol�tico e n�o um confronto de consci�ncias individuais ou de convic��es religiosas. Acto pol�tico porque os portugueses v�o decidir directamente uma quest�o essencial. E foi precisamente em raz�o da mat�ria que a Assembleia da Rep�blica votou a transfer�ncia de uma decis�o final para o povo portugu�s.

O referendo n�o � uma elei��o e muito menos uma mega-sondagem. No dia 28, todos somos legisladores.

(...)

� que no dia 28 n�o somos ju�zes, somos legisladores. N�o podemos confundir a criminaliza��o com a culpa, nem o princ�pio com o acto. Quem usa esses argumentos sabe muito bem que uma coisa � a ilicitude e outra a culpa. E que, quanto a esta, no crime de aborto ou qualquer outro, funcionar�o sempre que haja lugar a tal causas atenuantes ou de exculpa��o.

Maria Jos� Nogueira Pinto

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� sabido que existem limita��es � vida. Tal ocorre em situa��es de conflito de valores em que o legislador, ap�s devida pondera��o, escolhe um em detrimento do outro. No caso da vida humana intra-uterina, a lei em vigor estabelece tr�s situa��es - risco de vida da m�e, malforma��o do feto e viola��o - a que d� preval�ncia excluindo, assim, a ilicitude.

Ora na lei que vai ser referendada n�o � clara uma situa��o de contravalores: apenas o exerc�cio discricion�rio de um acto de vontade unilateral. Contudo, mantendo-se o aborto um crime, ou seja, mantendo-se o princ�pio de protec��o jur�dica da vida humana intra-uterina, � razo�vel perguntar quais s�o os fundamentos da exclus�o de ilicitude visada neste referendo.

Maria Jos� Nogueira Pinto

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Todos sabemos que, nesta mat�ria, o verdadeiro direito de escolher � o direito a uma sexualidade saud�vel e respons�vel, direito onde se inclui a possibilidade de optar quer quanto ao n�mero de gravidezes, quer ao momento em que devem ocorrer.

Todos sabemos que n�o existe ainda uma efectiva igualdade de oportunidades entre as mulheres, que muitas n�o acedem � forma��o e informa��o necess�rias, que a rede de planeamento familiar n�o funciona eficazmente, que os anticonceptivos n�o s�o gratuitos, que as leis laborais n�o s�o cumpridas, que o apoio � fam�lia e � mulher gr�vida � insuficiente, que o combate � pobreza e exclus�o social � incipiente, que os grupos de risco - adolescentes, toxicodependentes, doentes mentais, prostitutas, etc n�o t�m uma preven��o efectiva e que, face a uma paternidade irrespons�vel, a mulher fica muitas vezes s�.

Qual � ent�o o grau de efic�cia desta lei no que se refere �s causas referidas? � zero. Pior, ela traduzir-se-�, na pr�tica, numa capitula��o, numa desist�ncia, remetendo para os servi�os de sa�de a "solu��o" de problemas sociais que deviam ser tratados noutra sede e a montante.

Maria Jos� Nogueira Pinto

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A toler�ncia nunca � toler�ncia se for uma capitula��o. A toler�ncia � exigente, como direito e como dever. A toler�ncia n�o pode ser um mal menor. E nunca resulta se afirmada � custa da parte mais fraca.

Maria Jos� Nogueira Pinto

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A ang�stia � que as coisas n�o se esgotam aqui. Primeiro, este referendo tem um significado preciso. A quest�o nele impl�cita � a de saber se � necess�rio ou �til avan�ar, j� agora, para o alargamento das disposi��es de excep��o da lei actual, apontando para a total liberaliza��o nas primeiras dez semanas. E, a essa quest�o, eu tenderia a responder N�o.

Depois, n�o posso omitir que despenalizar implica o mesmo que liberalizar. E com que direito podemos n�s liberalizar? Com que direito nos esquivaremos � interpela��o do Bem, ficando s� por crit�rios de sa�de p�blica ou necessidade social? Porque, ao contr�rio do que sucede noutras esferas aparentemente an�logas, como a toxicodepend�ncia, h� aqui um terceiro envolvido, que n�o tem poder de decis�o, mas est�, no mais profundo de si pr�prio, envolvido na decis�o de outrem. N�o se pode ignor�-lo.

Augusto Santos Silva

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Ora, se s�o leg�timas d�vidas sobre a qualidade de pessoa humana atribu�vel ao feto, ent�o tem de se jogar pelo seguro: com ou sem personalidade jur�dica, o feto deve ser defendido. (...) Se h� d�vidas, tal significa, pelo menos, que n�o existe certeza alguma de que o feto em causa n�o seja uma pessoa; nesse caso, � imoral arriscar, agindo como se o feto n�o fosse, de facto e seguramente, uma pessoa.

Francisco Sarsfield Cabral

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O aborto n�o � apenas um problema do foro privado e da consci�ncia de cada mulher. H� interesses de terceiros em jogo: interesses do nascituro e do pai, pelo menos. E n�o � s� um problema moral: tem uma dimens�o jur�dico-pol�tica. Fa�a o que fizer, o Estado toma sempre posi��o sobre a criminaliza��o (ou n�o) do aborto. Ou seja, o Estado nunca � neutro, nem poderia ser.

Por isso faz todo o sentido que o Parlamento, atrav�s dos nossos representantes, ou directamente os cidad�os em referendo, tomem decis�es na mat�ria, as quais se aplicam a quem concordar ou n�o com elas, como acontece com todas as leis. Mas do Parlamento ou de um eventual referendo n�o vem qualquer cobertura moral, nem � disso que se trata. Trata-se, sim, de encontrar uma regulamenta��o jur�dica que, na medida do poss�vel, exprima o sentimento �tico da colectividade.

Francisco Sarsfield Cabral

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Por mais dolorosa que seja a situa��o da mulher, para quem o aborto aparece como sa�da a uma maternidade dif�cil - e essas situa��es dram�ticas a Igreja conhece-as bem no exerc�cio do seu m�nus pastoral - a nossa resposta tem de ser "n�o". Ao conceber, a mulher acolhe no seu seio um outro ser, de cuja vida n�o pode dispor, para se proteger a si pr�pria. Pelo contr�rio, a pr�pria natureza, a consci�ncia, a cultura, a moral e a sua sensibilidade profunda de mulher, exigem dela que proteja essa vida. Tem o direito de ser apoiada pela comunidade, nessa miss�o, mas n�o o de p�r termo � vida do filho que gerou. Decidir se deve ser penalizada ou n�o, compete ao discernimento prudente de quem aplica as leis e a justi�a.

Nota da Confer�ncia Episcopal Portuguesa

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Bem sei que n�o h� solu��es m�gicas para acabar com essa trag�dia clandestina. Sei at� que o aborto clandestino sobreviver� a este referendo, seja qual for o seu resultado, como sei que n�o podemos ter a certeza de que a legaliza��o n�o implicar�, ao menos numa primeira fase, um aumento do n�mero total de abortos.

Jos� S�crates

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� consenso da comunidade m�dica (a favor ou contra a despenaliza��o), e de quem trabalha na sa�de em geral, que o servi�o nacional de sa�de n�o tem condi��es para responder a esta lei. O Governo n�o fez nada para viabilizar a lei do Dr. Strecht Monteiro. Nada leva a crer que v� fazer diferente agora, estando o Minist�rio da Sa�de cheio de d�vidas. O que � que isto significa? Que, sendo o aborto despenalizado at� �s 10 semanas, quem o quiser fazer vai ter de recorrer �s cl�nicas privadas. Ora, s� quem tem dinheiro � que vai poder fazer isso. Portanto, quem � pobre, vai recorrer na mesma ao aborto clandestino, mesmo antes das 10 semanas!

Tiago Maymone

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Trabalho, com muito orgulho, num centro de sa�de (Cantanhede) classificado por este e pelo Minist�rio anterior como um dos 10 melhores do pa�s. Convido quem quiser a visit�-lo (a Sra. Odete Santos esteve c� a semana passada, e vejam l� se o mencionou...) Aqui, desde 1985 que cada um dos 25 m�dicos e 30 enfermeiros dedicam 4 horas semanais de planeamento familiar e educa��o sexual aos utentes. Como o servi�o est� informatizado, s�o convocadas para essas consultas, por postal e telefonicamente, todas as mulheres em idade reprodutora. Para al�m disso, todas as gr�vidas que aparecem s�o encaminhadas para essas consultas ap�s o parto. As paredes do centro est�o cobertas de posters a apelar para a frequencia das consultas, fazemos permanentes apelos nos jornais da terra e at�, admire-se, nas igrejas. S� falta andar com elas ao colo! E sabe o que acontece? Hoje, precisamente o meu dia de consulta de planeamento familiar, faltaram 3 das 6 marcadas. A taxa de cobertura n�o excede os 20% (o que � considerado muito bom). Se lhe estou a contar tudo isto � s� para lhe fazer ver que a minha j� longa experi�ncia me diz que apesar da oferta e incentivo ao Planeamento familiar, o proverbial desleixo ou facilitismo portugu�s � dominante. E, se a partir de agora, qualquer "precal�o" pode (poder�?) ser facilmente remediado, e se os portugueses acham sempre que precal�os s� acontecem aos outros, os cuidados v�o diminuir porque "se os preservativos s�o inc�modos, as p�lulas fazem mal e engordam, e os D.I.U. podem ser perigosos, basta ter algum cuidado e, se houver azar, abortar". Tenho pois a firme certeza de que, com a despenaliza��o, o aborto vai aumentar muito e passar a ser um dos grandes m�todos contraceptivos em Portugal. S� quem achar que a mentalidade portuguesa � igual � holandesa � que poder� supor o contr�rio.

Fernando Gomes da Costa

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O que acontecer� se algu�m fizer um aborto com 12, 15 ou 20 semanas? Acontecer� o que devia (do ponto de vista legal) passar actualmente se algu�m fizer um aborto �s 5, 10, 12, 15 ou 20 semanas. Se n�o couber num dos casos especiais j� previstos na lei actualmente em vigor, a mulher (e c�mplices) deve ser julgada. Caber� ent�o ao juiz julgar, a posteriori, o comportamento da mulher. H� causas de justifica��o que afastem a condena��o? H� causas de atenua��o especial da pena? N�o h� nada disso, pelo contr�rio o acto � particularmente censur�vel? A mulher ser� pois condenada ou n�o, ap�s an�lise da situa��o concreta. Se ganhar o sim, saliento dois aspectos. Por um lado d�-se a oportunidade e os meios seguros para a mulher abortar quando o embri�o tem ainda pouco tempo, levando a que quem queira abortar o fa�a nas primeiras semanas, ao contr�rio do que se passa agora (agora sim h� a liberaliza��o selvagem total). Por outro lado, por ter a mulher essa oportunidade o Estado (leia-se Minist�rio P�blico) ter� toda a legitimidade moral para acusar a mulher que fa�a um aborto depois do tempo regulamentar. S� podemos responsabilizar algu�m se esse algu�m teve a possibilidade de optar (entre o aborto no prazo legal ou depois ilegalmente). Se n�o h� liberdade de op��o como agora acontece, se a mulher s� pode abortar por meios ilegais, poucos sentir-se-�o capazes de a acusar de um crime. Assim penso que n�o acontecer� no futuro (se o sim ganhar) o que se passa hoje: a hip�crita n�o aplica��o da lei.

Pedro Ponce de Le�o Paulouro

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Ao votar Sim, o cidad�o est� a concordar que se aplique uma lei que permite a todas as mulheres abortar por qualquer raz�o, mas s� at� �s dez semanas. Como n�o � poss�vel votar s� metade da proposta, o votante, quer queira quer n�o, est� tamb�m a dar o seu acordo a que a partir desse prazo as mulheres continuem a ser condenadas ao abrigo do C�digo Penal. Tamb�m a partir da� ter�o que continuar a recorrer ao aborto clandestino, com a diferen�a que agora ser� talvez mais clandestino e mais caro... � obvio que se a lei actual, para al�m de criminalizar, culpasse e condenasse efectivamente as mulheres que abortam fora do estipulado, o facto de se conseguir que at� �s dez semanas de gesta��o nenhuma mulher fosse punida justificaria o Sim para quem quisesse minimizar as penas exercidas sobre quem abortasse.

Mas a realidade � que com a lei vigente nenhuma mulher foi ainda condenada e esse � mesmo um argumento de fundo dos defensores da despenaliza��o. Baseando-se nesse facto rotulam veementemente de hip�crita a lei actual e quem defende a sua manuten��o. Todos os discursos dos principais promotores e defensores do Sim, desde Odete Santos at� Vital Moreira e Helena Roseta, reiteram a necessidade de se "adoptar uma lei que efectivamente se cumpra, sob pena de se fugir por completo ao paradigma de um estado de direito democr�tico". �, portanto, neste momento, firme inten��o dos proponentes da nova lei que ela seja efectiva. � pelo menos isso que transmitem a quem vai votar. Acresce que o facto de ir haver um referendo que a pode sancionar, vai criar responsabilidades aumentadas aos legisladores e ju�zes na promo��o do seu cumprimento, sob pena de n�o s� se cair na "intoler�vel situa��o de hipocrisia de se defender uma lei que n�o se aplica", como de tamb�m de n�o se cumprir o que o eleitorado decidiu em fun��o do que lhe foi proposto. Lembremo-nos ainda que a proposta de que a IVG fosse livre at� �s doze semanas n�o passou na AR., o que prova que o problema dos prazos pode fazer toda a diferen�a. Portanto, das duas uma: ou agora, gra�as a uma lei proposta pelos ditos defensores dos direitos das mulheres, � que vamos mesmo come�ar a ver condena��es aplicadas a quem praticar um aborto ap�s as dez semanas, e o Sim ter� um efeito contr�rio ao que a maioria dos seus defensores pretendem, ou n�o existe a m�nima inten��o de fazer cumprir a lei nos moldes em que ela � apresentada ao eleitorado. Nesse caso haver� muita gente que ter� que assumir de forma redobrada o �nus da hipocrisia com que anda a acusar quem se lhe op�em, �nus esse agravado pela evidencia da m� f� e desonestidade com que andaram a propor uma falsa quest�o aos portugueses.

Fernando Gomes da Costa

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Em primeiro lugar, n�o me parece que se possa dizer que esta quest�o seja um problema de ordem pessoal. O problema n�o � pessoal, porque n�o est� s� uma pessoa em causa. Est�o duas. Se achamos que o problema � do dom�nio pessoal da m�e, ou mesmo do casal, entregamos a defesa da crian�a - ou a alta dela - exclusivamente a uma ou duas pessoas. E estas pessoas, apesar de serem as mais pr�ximas e vinculadas � crian�a, n�o t�m direito de decidir sobre a vida ou morte dessa crian�a. Com certeza que eu n�o me ponho em posi��o de julgar definitivamente as mulheres, ou casais, que esolvem abortar (pois n�o conhe�o todos os factores em causa em cada caso). Mas o que eu quero � que as crian�as sejam defendidas. Eu pe�o � que o direito � vida seja um princ�pio consagrado na lei. E a �nica orma que o Estado tem para o fazer, � legislando. Depois, nos casos particulares, os tribunais, e quem mais segue estes casos, avaliar� a gravidade de cada situa��o, e usar� da compreens�o adequada a cada um. E � o que j� tem acontecido na enorm�ssima maioria dos casos. Agora, o Estado n�o pode ceder num princ�pio t�o importante como o da defesa do direito � vida.

Tiago Maymone

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A quest�o central no pr�ximo referendo sobre o aborto � a de saber se o embri�o � ou n�o uma crian�a. Se for uma crian�a, ent�o a lei afirma explicitamente, e toda a gente est� de acordo, que ela n�o pode ser morta. Por muito conveniente que seja a sua elimina��o, todos, sem excep��o, estamos de acordo que aquela vida, para mais inocente e fr�gil, tem um valor superior a qualquer outro. Se, por outro lado, o embri�o n�o for uma crian�a, a quest�o muda completamente de figura, e � ent�o poss�vel considerar quest�es socioecon�micas, sanit�rias, etc. � por isso vital determinar se o embri�o �, ou n�o, uma crian�a.

Jo�o C�sar das Neves

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Quantos familiares e patr�es n�o v�o agora sentir-se justificados em pressionar as m�es a abortar um filho inc�modo? Quantas mulheres n�o se ver�o for�adas a perder o seu beb�, pelos argumentos dos muitos que lhe dizem para porem o emprego ou o estatuto social � frente do seu filho? Ent�o n�o � verdade que o Estado, n�o s� permitir� mas at� financiar� esse aborto?

Jo�o C�sar das Neves

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Ser� que se num casal, a m�e decidir que vai abortar antes das 10 semanas de gravidez, o pai n�o poder� opor-se, visto tratar-se do corpo da mulher? Penso que este argumento � perigoso porque justifica, por exemplo, que uma mulher solteira que engravidou seja abandonada pelo companheiro: "o corpo � dela, eu n�o tenho nada com isso". Acho que diminuir deste modo o papel do pai � simultaneamente violento e desresponsabilizador.

Rui Pedro Paiva

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A diferen�a entre pessoa e vida humana e vida � fundamental; misturar tudo, serve apenas para iludir a quest�o essencial de todo este debate. Qualquer c�lula humana � diferente de qualquer uma c�lula n�o humana. O espermatoz�ide do homem n�o se confunde com o espermatoz�ide do c�o; assim, o zigoto humano � em si mesmo uma individualidade t�o particular como as restantes c�lulas. Estamos sempre a falar de vida, e vida humana.

Ana Maria Mesquita

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N�o sei: � t�o complicada a quest�o, que eu n�o me consigo rever nela

Ana Maria Mesquita

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� cientificamente irrevog�vel que desde a singamia est�o reunidas as condi��es para que haja vida humana.

A vida humana merece, desde o seu in�cio, todo o respeito devido � sua dignidade essencial. Ao Estado e a todos n�s pertence proteg�-la, defend�-la e promov�-la, sobretudo em nome dos que, e merc� de m�ltiplas circunst�ncias, n�o o podem fazer de motu pr�prio. O embri�o/feto, como sede de vida humana, deve ser protegido, tanto mais que se encontra numa situa��o naturalmente fragilizada.

Tratando-se a vida intra e extra-uterina de um continuum cientificamente demonstrado, passando por estadios ou fases que definem o processo vivencial desde a concep��o at� � morte, o estabelecimento de prazos que enquadrem legalmente e legitimem interven��es desta natureza, ser� sempre artificial.

A vida humana, assim assumida desde o momento da concep��o, n�o � mat�ria suscept�vel de ser partidarizada, referendada ou submetida a leis sucessivamente modificadas que mais n�o revelam que o seu car�cter arbitr�rio dependente de "movimentos passionais de opini�o" e "vota��es imponder�veis".

O aborto n�o pode ser legitimado enquanto solu��o para problemas de car�cter sociol�gico ou econ�mico. A vida humana � um bem em si mesmo de que a gr�vida n�o pode dispor livremente. De facto, o embri�o/feto tem exist�ncia pr�pria, n�o faz parte do corpo da mulher, n�o � sua propriedade, antes depende dela, da sua capacidade de o proteger, alimentar e acarinhar. � por isso falso que o aborto seja um problema de consci�ncia da mulher. Ao Estado compete proporcionar as condi��es necess�rias para que esta possa, dignamente, vivenciar a sua maternidade.

Secretariado Diocesano da Pastoral Universit�ria, Porto

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Depois, quem � que decide quando � que se � humano e quando � que se n�o �? Repare que tremendo poder isso representa. E que horr�vel perigo comporta. Quem � que se pode dar a si pr�prio o direito, ou o poder, de decidir quando � que se �, ou n�o �, humano? NINGU�M.

Portanto, � natural que se parta de um dado concreto, s�lido e ineg�vel, que nem precisa da ci�ncia: da jun��o de um �vulo e um espermatoz�ide humanos, se n�o interrompermos nada, nasce certamente uma pessoa. N�o nasce um galo, uma baleia ou um escaravelho. Nasce uma pessoa.

E perante essa pessoa, ningu�m tem o direito de decidir que, por qualquer raz�o que seja, ela deve ser morta - seja essa raz�o econ�mica, social, ou outra. Nem a pr�pria m�e tem esse direito.

Tiago Maymone

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Eugenia ?

Como se sabe, as novas tecnologias m�dicas e o estudo cada vez mais aprofundado do genoma humano, permitem que j� hoje se possam detectar n�o s� defeitos do feto, como tamb�m v�rias caracter�sticas f�sicas e fisiol�gicas do ser em gesta��o. � mais do que certo que em breve sejam previs�veis dados como a fisionomia, desenvolvimento f�sico ating�vel, cor dos olhos, doen�as de que ir� padecer (n�o s� aquelas que hoje s�o alegadas para justificar o aborto, mas outras como diabetes, reumatismo, doen�as card�acas, acne, etc.), enfim, um sem n�mero de dados com que os potenciais pais, num futuro muito pr�ximo, se ir�o confrontar. Tudo indica que mesmo as caracter�sticas psicol�gicas e intelectuais ser�o pass�veis de previs�o.

No caso do aborto passar a ser encarado apenas como um banal acto de livre decis�o da m�e, em que outros factores como press�es legais, morais, ideol�gicas ou religiosas perder�o peso face ao efeito de dilui��o da responsabilidade resultante da sua pr�tica autorizada e sociologicamente apoiada por uma mentalidade hedonista, n�o se correr� o risco de criar uma sociedade profundamente eug�nica? N�o se passar� a abortar apenas porque a crian�a n�o ir� atingir um coeficiente de intelig�ncia que lhe permita vir a ser quadro superior, ou pol�tico, ou dirigente de futebol? Ou porque ir� sofrer de reumatismo (doen�a de grandes encargos econ�micos...)? Ou porque ir� ser homossexual ou ter pele escura, ou n�o ter olhos azuis e cabelos louros? J� hoje em dia, em pa�ses como a �ndia em que os rapazes s�o mais valorizados que as raparigas, s�o efectuados in�meros abortos apenas por se detectar que o feto � do sexo feminino. Ser� talvez s� o come�o.

Fernando Gomes da Costa

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Um argumento utilizado repetidamente por todos os principais respons�veis da campanha pelo "sim" � o de que a lei vigente � hip�crita, uma vez que n�o h� quem tenha mandado mulheres para a pris�o por terem abortado. � uma verdade evidente. Por isso, dizem, prop�em uma lei que efectivamente se cumpra, "sob pena de fugirmos por completo ao paradigma de um Estado de direito democr�tico" (Teresa Beleza, penalista da Fac. de Direito da Univ. de Lisboa). S� que aqui se coloca uma situa��o �bvia mas que ainda n�o vi ningu�m abordar: as mulheres que abortarem ap�s as dez semanas, que continuar�o a ser muitas, ser�o agora, logicamente, condenadas. Ou seja, gra�as aos "cidad�os tolerantes que n�o querem ver mulheres que abortem a ir para a pris�o", isso vai mesmo passar a acontecer! Os defensores do sim v�o ou n�o fazer cumprir a lei que apoiam? Ou ser� que o facto de se falar nas dez semanas (que j� foram doze, mas sem resultado...) serve s� para conseguir o voto concordante dos portugueses, escondendo que o que se pretende realmente � despenalizar sem prazos? Um juiz ser� agora contestado por condenar uma mulher em obedi�ncia a uma lei unanimemente aceite por todos os ditos defensores dos direitos da mulher?

Fernando Gomes da Costa

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Numa sociedade em que, felizmente, a responsabilidade paternal � cada vez mais assumida pelo pai e pela m�e em conjunto, quando finalmente os pais come�am a ser uma presen�a real e activa na vida e educa��o dos filhos, como podemos dizer que o ABORTO s� diz respeito �s mulheres?

Isso � o mesmo que assumir que os filhos s� s�o assunto das mulheres e que dispensamos os homens-pais das suas responsabilidades.

Gra�a Campos

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OS MEUS PR�PRIOS TEXTOS - Tiago Azevedo Fernandes

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H� um equ�voco b�sico na percep��o acerca do que une as pessoas que votam SIM e acerca do que une as que votam N�O. Neste referendo faz-se uma pergunta, que exige uma resposta. O que une os SIMs � apenas o facto de acharem que se deve responder SIM, o que une os N�Os � apenas o facto de acharem que se deve responder N�O. Nem todos os SIMs t�m os mesmos motivos, do mesmo modo que nem todos os N�Os recorrem aos mesmos argumentos. N�o existe um "Partido SIM" nem um "Partido N�O". Existem apenas pessoas que votam SIM e pessoas que votam N�O. Algumas delas resolveram organizar-se para fazer campanha. � s� isto.

N�o se compreende a insist�ncia em usar como refer�ncia uma suposta "posi��o da Igreja Cat�lica" para o caso do N�O. Nem todos os N�Os s�o cat�licos e h� cat�licos que votam SIM. Quase ningu�m (nem sequer os membros mais prestigiados e influentes da pr�pria Igreja Cat�lica) invoca argumentos religiosos para a defini��o de um sentido de voto. As raz�es apontadas s�o de car�cter humanista e natural. Como em todas as organiza��es desta dimens�o, existem excep��es e comportamentos menos adequados que apenas confirmam a regra.

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a) Devia estar claro na Lei que n�o seria punida a mulher que abortou em casos n�o autorizados, mas que o fez contudo em situa��es tr�gicas (a definir...). De igual modo, as pessoas envolvidas no acto e que possam ser consideradas abrangidas por uma "grave press�o da situa��o" tamb�m n�o deviam ser punidas.

b) Deviam ser punidas as pessoas envolvidas na realiza��o de abortos clandestinos que eventualmente o fa�am por neg�cio ou pelo menos que n�o se possam considerar envolvidas numa "situa��o tr�gica" elas pr�prias. A sociedade n�o devia aceitar tornar legal o aborto fora de situa��es muito especiais e claramente definidas.

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"Concorda com a despenaliza��o da interrup��o volunt�ria da gravidez, se realizada, por op��o da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de sa�de legalmente autorizado?"

Este referendo coloca v�rios problemas devido � maneira como a pergunta � formulada.

1) Perguntam-nos se queremos despenalizar o aborto at� �s 10 semanas, juntando os "casos especiais" a todos os outros "por op��o da mulher".

2) Misturam essa despenaliza��o com a legaliza��o, acrescentando � pergunta o "estabelecimento de sa�de legalmente autorizado". Perguntam-nos por isso se queremos tamb�m legalizar o aborto at� �s 10 semanas, juntando � despenaliza��o o consentimento da sociedade a esse acto e o apoio do Estado � sua realiza��o.

A quem acha que � ir longe demais aceitar tudo isto s� resta votar N�O e esperar que perguntem uma coisa de cada vez...

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Que resposta deve dar algu�m que concorde que a mulher que aborta clandestinamente n�o deve ser punida (e sim auxiliada para resolver as causas que a levaram a esse acto) mas que se op�e a que o acto em si se torne legal?

Como n�o posso em consci�ncia aceitar TODAS as implica��es da pergunta (embora concorde com algumas) s� me resta votar N�O.

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� evidente o que j� tem sido dito: o importante � resolver as causas. Uma vit�ria do N�O ou do SIM, s� por si, n�o vai fazer diminuir o n�mero de abortos (clandestinos ou legais), o que � consensualmente mau.

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Uma m�e decide: eu s� quero ter um filho se for menina. Ou menino. Ou se tiver olhos azuis. Ou se for louro. Ou se tiver a pele pouco escura. Quando for poss�vel saber isso at� �s 10 semanas, nada impedir� essa m�e de abortar por essa raz�o, mesmo que sejam muito poucas as mulheres a raciocinar deste modo. O filho n�o tem qualquer protec��o e aqui n�o se trata de uma situa��o dram�tica ou de mis�ria humana. Enquanto a lei actual prev� alguns casos excepcionais (concorde-se ou n�o com ela), o que se referenda � a liberaliza��o total at� �s 10 semanas. N�o � aumentar prazos ou aumentar o n�mero de situa��es previstas.

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N�o est� em causa neste momento saber se o aborto se justifica em algumas circunst�ncias, mas sim se deve ser liberalizado sem restri��es at� �s 10 semanas. � esse o SIM ou o N�O que nos � pedido.

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O facto de as situa��es de potencial aborto que analisamos serem normalmente muito dolorosas n�o nos pode impedir de estabeler uma hierarquia de valores. Mesmo que nunca haja uma boa solu��o, mas sim uma escolha entre o menor de dois males.

O que vale mais?

- Uma vida humana ou o sofrimento da m�e (e eventualmente do pai) por um filho n�o desejado?

- Uma lei que garanta a defesa de toda a vida humana, especialmente da mais indefesa, ou o risco de vida de uma m�e que, devido � press�o de uma situa��o muito dif�cil, escolheu livremente a via do aborto clandestino ?

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Quando uma mulher decide abortar toma uma decis�o livre, condicionada ou n�o por circunst�ncias que podem ser muito adversas, mas livre apesar de tudo. Ou seja, tem sempre alternativa, embora ela possa ser considerada pior.

Assim, n�o estando em causa a vida da m�e nem outras situa��es limites, a decis�o de abortar significa que:

1) A mulher considera que a vida do filho tem menos valor do que o sofrimento que lhe causa levar a gravidez at� ao fim.

2) A mulher, e quem com ela toma a decis�o, considera que tem legitimidade para terminar essa nova vida que transporta.

3) Caso enverede por um aborto clandestino, a mulher tem consci�ncia do risco de vida que corre e considera por isso um valor mais alto do que esse risco a possibilidade de resolver a situa��o em que a gravidez a colocou. N�o me parece leg�timo colocar como uma inevitabilidade o risco de vida da m�e, uma vez que h� op��o, apesar de tudo.

Enquanto os ponto 1) e 3) apenas dizem respeito � m�e, o ponto 2) carece de valida��o pela sociedade em geral. Tamb�m n�o me parece devidamente justificada a proposta de liberaliza��o incondicional quando se usa apenas como argumento o facto de em alguns casos a situa��o ser tr�gica. E nos outros, em que n�o � tr�gica ? E quem � que define o que � "tr�gico" ?

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H� aqui um pressuposto que parece ser dado como assente: o de que toda e qualquer mulher que decida abortar s� o faz porque a isso � levada por uma situa��o muito dif�cil qualquer. Essa seria certamente a maioria dos casos. Mas nem todas as mulheres t�m preocupa��es �ticas apuradas... Afinal nas pris�es est�o tamb�m mulheres que roubam, que matam, que burlam. (E se calhar tamb�m foram levadas a isso, mas a sociedade achou leg�timo prend�-las.) A quest�o �: com a liberaliza��o passaria a n�o existir nada na lei que impedisse o aborto por causas f�teis ou que a sociedade considere imorais. Exemplo: a mulher s� queria um filho e aborta se verificar que afinal � uma filha. E muitos outros.

N�o havendo nada na lei que distinga uns casos de outros, tudo isto pode acontecer impunemente. N�o se consagrando o direito � vida do feto (com os casos excepcionais que se acharem leg�timos) n�o h� maneira de obrigar � exist�ncia de um m�nimo de �tica na pondera��o destes casos. Porque as mulheres, mesmo gr�vidas, n�o s�o seres perfeitos e incorrupt�veis!

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